As Políticas de Comércio Desleal Prejudicam as Perspectivas de Crescimento nos Países em Desenvolvimento Tarifas altas e subsídios desviam milhares de milhões do desenvolvimento humano:
Nações Unidas,
7 de Setembro 2005—As políticas de
comércio desleal continuam a negar, a milhões
de pessoas nos países mais pobres do mundo,
uma via de fuga à pobreza e perpetuam desigualdades
que são obscenas—diz o Relatório
do Desenvolvimento Humano 2005.
O Relatório sustenta que
o comércio tem a potencialidade de agir
como um catalizador do desenvolvimento humano
e do progresso acelerado rumo aos ODM. Mas diz
também que tal
potencial está a ser minado pelas actuais
políticas de comércio, por um fracasso
em fazer frente às desigualdades nacionais
e às forças estruturais que excluem
os pobres das oportunidades de mercado. Embora
a ‘ronda do desenvolvimento’ de negociações
sobre o comércio, realizada em Doha, tenha
proporcionado uma oportunidade única de
fazer do comércio uma força mais
eficaz na redução da pobreza, o
Relatório sustenta que substancialmente
pouco se fez, após quatro anos de negociações.
“O comércio tem potencialidades para agir como força mais poderosa, em relação ao desenvolvimento humano, do que a ajuda por si só”—disse Kevin Watkins, autor principal do Relatório e Director do Gabinete do Relatório do Desenvolvimento Humano. “Todavia, a menos que as negociações da Ronda de Doha ganhem seriedade, grandes áreas da humanidade ficarão sem qualquer porção da prosperidade criada pela integração global.”
Segundo o Relatório, a
África Subsariana, apesar de alguns modestos
aumentos das exportações, tem sido
crescentemente marginalizada pelo mercado mundial.
Hoje, com uma população de 689 milhões
de pessoas, a região representa uma quota
inferior à da Bélgica—que
tem apenas 10 milhões de habitantes—nas
exportações mundiais. O Relatório
chegou à conclusão de que as exportações
de
África seriam hoje superiores em cerca
de 119 mil milhões de dólares, se
tivesse mantido a mesma quota que alcançou
em 1980 nas exportações mundiais.
Os autores entendem também que, em termos
de transacções externas, tal quantia
seria equivalente a cerca de cinco vezes o fluxo
de ajuda fornecido pelos países ricos desde
2002.
Embora sublinhando o desenvolvimento
humano e os lucros económicos mais amplos
proporcionados pelo comércio, o Relatório
do Desenvolvimento Humano 2005 põe em causa
o ponto de vista de que o aumento do comércio
produz benefícios imediatos. Estabelece
um contraste entre o êxito do Vietname quanto
à conversão do crescimentos das
exportações na redução
da pobreza e as dificuldades com que
o México se confronta, uma vez que a rápida
liberalização das importações
na área da agricultura veio marginalizar
ainda mais os pobres das zonas rurais, em parte
devido aos altos níveis de desigualdade
inicial. A Guatemala é citada como um exemplo
de país em que a desigualdade extrema limitou
as potencialidades de o comércio servir
de apoio ao desenvolvimento humano.
O Relatório também
destaca o papel crucial das políticas industriais
e tecnológicas em habilitar os países
a ascenderem a áreas mais elevadas de valor
acrescentado no comércio mundial—uma
área
em que a Ásia Oriental teve êxito,
mas não a América Latina. Embora
reconheça os benefícios da liberalização
das importações enquanto parte de
uma estratégia mais vasta para reduzir
a pobreza e aumentar o crescimento, o Relatório
do Desenvolvimento Humano 2005 apresenta-nos novas
provas que põem em causa a afirmação
de que a abertura em si mesma é sempre
boa para o crescimento.
O modelo, o ritmo e a sequência da reforma
são cruciais para que uma estratégia
de liberalização resulte, segundo
o Relatório.
Necessidade de regras racionais para o comércio global
A Cimeira Mundial das Nações
Unidas proporciona uma oportunidade fundamental
para revitalizar
as negociações da Ronda de Doha—diz
o Relatório. Embora todos os Membros da
OMC tenham um papel a desempenhar, o Relatório
sustenta que os países doadores têm
uma responsabilidade principal. “Os países
ricos constituem o problema principal da Ronda
de Doha” disse Watkins, acrescentando que
“a Cimeira das Nações Unidas
dá-lhes uma oportunidade para passarem
a ser parte da solução.”
Ainda que os países ricos
tenham repetidamente prometido reduzir as tarifas
das importações provenientes dos
países em desenvolvimento e reduzir drasticamente
os subsídios, através de
programas como a lei do crescimento e das oportunidades
para África (nos Estados Unidos), o Relatório
salienta que nenhum dos objectivos foi alcançado.
“As barreiras mais fortes
para o comércio mundial, foram levantadas
contra alguns dos países mais pobres”—afirmam
os autores.
“Em média, as barreiras comerciais
que os países em desenvolvimento têm
de enfrentar quando exportam para os países
ricos são três vezes superiores às
que os países ricos encontram quando negoceiam
entre si.” O Relatório verificou
que os países pobre representam menos de
um terço das importações
dos países ricos, em contraste com dois
terços das receitas tarifárias cobradas;
considera assim
que tais tarifas constituem uma “tributação
perversa.”
Os subsídios agrícolas são nocivos
O Relatório sustenta que os países desenvolvidos têm realmente aumentado os subsídios à agricultura, ao contrário da promessa que fizeram na última ronda de negociações sobre o comércio mundial. Estes “subsídios à superprodução nos países desenvolvidos”—afirma o Relatório—atingiram actualmente 1000 milhões de dólares por dia comparados com os 1000 milhões de dólares por ano de ajuda à agricultura nos países em desenvolvimento.
Embora variem os modelos de apoio, os contribuintes e os consumidores dos países ricos estão a pagar para um sistema que apoia largamente os agricultores ricos [ver figura sobre o coeficiente de Gini da distribuição de subsídios], ao mesmo tempo que estão a prejudicar uma parte dos agricultores mais pobres do mundo. Estes agricultores têm de enfrentar algumas das tarifas mais altas do mundo e têm de competir, em mercados globais e até locais com uma concorrência subsidiada. Deste modo, argumenta o Relatório, os países ricos têm mantido o controlo do seu quinhão nas exportações agrícolas mundiais (dois terços do total), um sócio que não mudou desde 1980.
Hoje, os países em desenvolvimento perdem cerca de 24 000 milhões de dólares por ano, por causa do proteccionismo à agricultura e dos subsídios. Por cada dólar perdido há um efeito de multiplicação que provoca prejuízos com um valor adicional de 3 dólares, por causa de investimento reduzido e de desemprego. Isto pode representar prejuízos totais de quase 72 000 milhões de dólares, uma quantia equivalente a todos os fluxos de ajuda oficial em 2003.
Inversamente, o Relatório verificou que, na Europa, os subsídios à agricultura atingiram os 51 000 milhões de dólares e, embora represente menos de 2% da força de trabalho, este sector absorve mais de 40% do orçamento da União Europeia. Os produtores europeus do sector do açúcar—diz o Relatório—são pagos quatro vezes acima do preço do mercado mundial e isto, por sua vez, cria um excedente de 54 milhões de açúcar, que é vendido no mercado mundial a um preço inferior ao custo, com a ajuda de 1000 milhões de dólares por parte da União Europeia, o que assim faz da Europa o segundo maior exportador de açúcar. Esse excedente—segundo o Relatório— provocou uma queda nos preços do açúcar, a nível mundial, de aproximadamente um terço, tendo o Brasil sofrido uma perda de 494 milhões de dólares nas suas receitas, 151 milhões a África do Sul e 60 milhões a Tailândia.
O algodão—diz o
Relatório—continua a ser uma das
questões mais controversas na Ronda de
Doha. Chegando a uma conclusão que fundamenta
as preocupações dos governos de
África e de outras zonas, o Relatório
do Desenvolvimento Humano sustenta que os produtores
dos Estados Unidos passaram a dominar os mercados,
graças a quase um terço das exportações
mundiais. No Benin,
verificou o Relatório, a quebra dos preços
em 2001 ficou ligada a um aumento da pobreza,
que saltou de 37% para 59%.
“Por trás da retórica
do mercado livre e da importância atribuída
às virtudes dos níveis de apoio,
o mais difícil de aceitar é o facto
de alguns dos mais pobres produtores do mundo
serem forçados a competir, não com
os produtores dos países do norte, mas
com
os ministros das finanças dos países
industrializados. Acesso comparativo aos subsídios,
não vantagem comparativa, continua a ser
uma área chave para compreender o comércio
agrícola” disse Watkins.
Olhando para lá do acesso aos mercados e para lá da agricultura, o Relatório considera que deve ser atribuída maior importância, por parte da Ronda de Doha, a áreas em que os países em desenvolvimento têm de conquistar terreno—como, por exemplo, o movimento temporário de trabalho—e menos importância, por parte dos países ricos, à propriedade intelectual, ao investimento e à rápida liberalização das importações nos países pobres.
Baixa de preços, fraco desenvolvimento
A agravar o problema de existirem
regras desleais no comércio mundial—temos
o facto de o valor dos bens essenciais—mais
de 50 dos países em desenvolvimento dependem
da agricultura pelo menos em um quarto do valor
das suas exportações—ter caído,
em relação
à totalidade do comércio mundial,
de 15% para 10% desde 1980. O exagerado e contínuo
declínio dos preços globais das
mercadorias— afirma o Relatório—constitui
agora uma crise que se instalou e que ameaça
destruir os progressos obtidos no sentido do cumprimento
dos ODM até 2015.
O Relatório revela, por
exemplo, que os exportadores de café, em
finais dos anos 80, receberam cerca de 12 000
milhões de dólares
pelas suas exportações, mas em 2003
apenas receberam menos metade daquele valor—isto
é 5 500 milhões de dólare—,
embora tenham exportado mais café. Entretanto,
o Relatório concluiu que a “economia
do café” está em expansão
nos países ricos, com as vendas a retalho
a tingirem actualmente os 80 000 milhões
de dólares anuais, em comparação
com os 30 000 milhões de dólares
de 1990, na medida em que os baixos preços
por grosso e os altos preços a retalho
contribuíram largamente para aumentar os
lucros das cinco maiores empresas de torrefacção
de café, que presentemente representam
50% do comércio mundial.
“Por cada dólar
de café arábica de alta qualidade
da Tanzânia vendido num café dos
EUA, o agricultor recebe agora menos de 1 cêntimo”—afirmam
os autores. E acrescentam que, na Etiópia,
as exportações aumentaram dois terços
desde meados dos anos 90,
mas os ganhos desceram dramaticamente e, assim,
os rendimentos familiares provenientes da produção
de café foram desastrosos. Com
a quebra nos preços do café de um
dólar por quilo em 1998 para 30 cêntimos
por quilo actualmente, o Relatório calcula
que a quebra média dos rendimentos familiares
foi de 200 dólares por ano na Etiópia—uma
enorme perda para um país em que mais de
um terço da população rural
vive com menos de um dólar por dia—e
que se traduz numa perda nacional de 400 milhões
de dólares, isto é, metade
da verba recebida através da ajuda estrangeira
Fazer de Doha a ronda do desenvolvimento
“O reforço dos laços
entre comércio e desenvolvimento humano
exigirá acção numa ampla
frente” concluíram os autores. “A
prioridade imediata é considerar a política
comercial como uma parte central do planeamento
nacional da redução da pobreza.
A Ronda de Doha e
a própria OMC têm um papel importante
a desempenhar neste processo.” O próximo
encontro ministerial da OMC, em Dezembro de 2005,
proporciona uma “oportunidade crucial”—acrescentam
os autores.
O Relatório sugere os seguintes próximos passos para dar continuidade à Ronda de Doha:
· Cortes radicais no apoio
governamental à agricultura e proibição
de subsídios à exportações.
O apoio à agricultura, tal como foi avaliado
pelas estimativas de apoio ao produtor efectuadas
pela OCDE, deve sofrer um corte reduzido para
não mais de 5% - 10% do valor da produção,
ficando imediatamente proibida a concessão
de subsídios directos ou indirectos à
exportação.
· Cortes radicais nas barreiras às
exportações dos países em
desenvolvimento. Os países ricos devem
fixar as suas tarifas máximas sobre as
importações provenientes dos países
em desenvolvimento num tecto que não exceda
o dobro do nível das suas tarifas médias.
· Compensação aos países
que deixam de ser “parceiros preferenciais”.
Embora as preferências de um Estado industrializado
tragam globalmente benefícios limitados,
a sua retirada é potencialmente geradora
de altos níveis de desemprego e “choques”
na balança de pagamentos em casos especiais.
Deve criar-se um fundo de ajustamento, a fim de
reduzir os custos de ajustamento que os países
vulneráveis têm de enfrentar.
· Proteger o “espaço das políticas”
para o desenvolvimento humano. É importante
que as regras multilaterais não imponham
a obrigação de liberalizar as importações
ou de restringir as políticas públicas
destinadas a reduzir a pobreza, mas que são
incompatíveis com as estratégias
de redução da pobreza nacional.
A menos que sejam alteradas as políticas
comerciais dos países ricos, os países
em desenvolvimento serão forçados
a proteger os seus produtos agrícolas contra
a concorrência desleal proveniente de exportações
que são subsidiadas nos países ricos.
* * * *
SOBRE ESTE RELATÓRIO:
Todos os anos, desde 1990, o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
tem encomendado o Relatório do Desenvolvimento
Humano a uma equipa constituída por especialistas
independentes, tendo por objectivo analisar questões
fundamentais, de interesse global. À escala
mundial, uma rede de pessoas de destaque a nível
académico, governamental e da sociedade
civil colabora fornecendo dados, ideias e sugestões
quanto à melhor prática a seguir
em apoio à análise
e às propostas publicadas no Relatório.
O conceito de Desenvolvimento Humano não
se limita a ter em consideração
o rendimento
per capita, o desenvolvimento dos recursos humanos
e as necessidades básicas como medidas
de avaliação do progresso humano,
pois também avalia factores como a liberdade
humana, a dignidade e a intervenção
humana, isto é, o papel das pessoas no
desenvolvimento. O Relatório do Desenvolvimento
Humano 2005 defende que o desenvolvimento é,
em última análise, «um processo
de alargamento
das opções das pessoas» e
não apenas uma questão de aumento
dos rendimentos nacionais.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de
2005 é publicado em inglês pela Oxford
University Press. A versão portuguesa é
editada por: ANA PAULA FARIA EDITORA, Unipessoal,
Lda. – Rua Conselheiro Arantes Pedroso,
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nacional e mundial. Ao desenvolverem a capacidade
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Para informação suplementar, consultar
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