Mais Ajuda é Vital para a Erradicação da Pobreza Extrema São bem-vindas novas promessas, mas são necessários mais recursos e reformas profundas da ajuda internacional para atingir os objectivos de erradicar a pobreza extrema e a fome
Nações Unidas, 7 de Setembro de 2005—Os recentemente prometidos aumentos de ajuda aos países mais pobres são significativos e apoiarão o combate contra a pobreza—diz o Relatório do Desenvolvimento de 2005. Mas este Relatório avisa que será indispensável prestar ainda mais e melhor assistência aos pobres para que sejam alcançados os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).
“Fixar o sistema de ajuda
internacional é uma das prioridades mais
urgentes que se colocam aos governos para enfrentar
o início da contagem decrescente dos 10
anos que faltam para realizar os Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio em 2015,”
disse Kevin Watkins, o redactor principal
do Relatório.
Registando a evolução
operada desde que a Declaração do
Milénio foi assinada em 2000, o Relatório
do Desenvolvimento Humano afirma que o nível
da ajuda chegou agora a metade, quando antes se
encontrava apenas a um quarto—metaforicamente,
o copo da ajuda já está meio-cheio,
quando antes estava vazio a três quartos
do seu volume. Na Cimeira do G-8 em Gleneagles,
em Julho de 2005, os doadores comprometeram-se
a fornecer uma ajuda adicional de 50 mil milhões
de dólares, ao longo
da próxima década.
Os aumentos—diz o Relatório—surgiram
no âmbito da Conferência das Nações
Unidas sobre Financiamento do Desenvolvimento,
realizada em Monterrey (México), em 2002,
na qual os países
em desenvolvimento se comprometeram a aplicar
políticas adequadas, a pôr em prática
uma boa governação e a respeitar
as leis de um Estado de direito, e os doadores,
por sua vez, comprometeram-se a fornecer mais—e
melhor—ajuda. Segundo o Relatório,
tais aumentos chegam num momento de forte pressão
fiscal em muitos países doadores e constituem
uma prova de que os doadores estão a fazer
verdadeiros esforços para acelerar os progressos
em direcção aos ODM.
Porém, a equipa de pesquisa do Relatório do Desenvolvimento Humano salienta que alguns dos países mais ricos do mundo estão entre os doadores menos generosos e que será necessária uma combinação de vigilância, campanhas públicas e determinação política para assegurar os compromissos assumidos em Gleneagles.
Numa avaliação dos desafios que se colocam aos países do G-8, o Relatório destaca algumas preocupações prementes. Diz que a Alemanha e a Itália terão de rever substancialmente os actuais planos de despesa com a ajuda, para poderem alcançar o objectivo da União Europeia quanto a uma ajuda na proporção de 0,51% do respectivo Produto Nacional Bruto (PNB), até de 2010. Embora o Japão e os Estados Unidos se tenham comprometido a aumentar a despesa com a ajuda, se de facto não houver novos aumentos, ambos estarão a gastar em ajuda apenas 0,18% do seu PNB em 2010, o que será menos do que quaisquer outros doadores. Enquanto único país do G-8 com excedente fiscal, o Canadá—argumenta o Relatório—está singularmente habilitado para antecipar a data em que aumentará a ajuda para 0,7% do seu PNB.
Ajuda necessária para preencher a falta de recursos
O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2005 sustenta que o problema da ajuda tem por base a justiça social e o interesse próprio illuminado pela prosperidade partilhada e pela segurança colectiva.
Em apoio à conclusões
do relatório sobre o Projecto do Milénio
das Nações Unidas e do relatório
da Comissão para a África, patrocinada
pelo Reino Unido, a equipa de pesquisa conclui
que, na ausência de uma ajuda acrescida,
muitos países não irão dispor
dos recursos financeiros para criar
as infra-estruturas sociais e económicas
indispensáveis para alcancem os ODM.
Embora reconheça que o
registo heterogéneo da ajuda no passado
e os perigos associados a altos níveis
de dependência da ajuda, o Relatório
rejeita, de modo decisivo, os argumentos dos pessimistas
acerca da ajuda. E cita o caso de países
como o Bangladeche, a Etiópia e Moçambique,
enquanto exemplos
de novas parcerias de ajuda que fornecem resultados
efectivos e rechaça o argumento de que
um maior aumento da ajuda provocará nefastas
distorções económicas locais.
A ajuda com objectivos adequados—afirma o Relatório—faz progredir o desenvolvimento humano. Na Zâmbia, verificou-se que, sem ajuda, as despesas do sector da saúde iriam descer de 8 dólares per capita para 3 dólares, com implicações devastadoras para a luta contra a SIDA e outros problemas de saúde pública. Acerca do Egipto, o Relatório cita um programa nacional de controlo da diarreia, apoiado pela Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional e pela Organização Mundial de Saúde, que, em cinco anos, ajudou a reduzir a mortalidade infantil em 82% , salvando a vida a 300.000 crianças; e, na Tanzânia, um adicional de 1,6 milhões de crianças foram inscritas na escola, após a ajuda externa ter disponibilizado os fundos que tornaram possível o ensino gratuito em 2003.
O países mais ricos devem assumir as suas responsabilidades
Pondo em causa a ideia de que
a generosidade da ajuda por parte dos países
ricos acompanhou a subida dos padrões de
vida, o Relatório aponta para a existência
de
um “défice de generosidade”.
Desde 1990, o rendimento per capita nos países
ricos aumentou 6.070 dólares, a preços
constantes, enquanto a ajuda dos países
ricos aos países pobres caiu 1 dólar
per capita.
Tomando o dólar em termos absolutos, o Relatório concluiu que os Estados Unidos são o país que, à escala mundial, mais contribui para a ajuda ao desenvolvimento. Recentes aumentos da ajuda americana representam 8 mil milhões dos 12 mil milhões dos aumentos globalmente concedidos pelos doadores, de 2002 a 2004, e representam os maiores aumentos dos programas nacionais americanos de ajuda, desde os anos 60. Mas o Relatório também chegou à conclusão que o rácio americano de ajuda RNB (Rendimento Nacional Bruto) cresceu de uma base de 0,10% em 2000 para apenas 0,16% em 2004, ficando bem para trás de outros doadores. E mais de 40% do aumento de 3.800 milhões de dólares registado na ajuda americana ao desenvolvimento em 2003—diz o Relatório—foram destinados ao Iraque.
Cinco países—Dinamarca,
Luxemburgo, Noruega, Holanda e Suécia—alcançaram
de modo consistente ou ultrapassaram o objectivo
de 0,7%—afirma o Relatório—e
a França e o Reino Unido planeiam atingir
esse mesmo objectivo antes de 2013.
Tornar a ajuda mais eficaz
Mas a ajuda extra não
tornará mais fácil o cumprimento
dos ODM—avisa o Relatório—a
menos que os países doadores também
alterem o sistema de fornecimento dos fundos.
Os autores sustentam que os países pobres
precisam de uma ajuda que seja previsível,
que minimize os custos de transacção
e a maximize o seu valor; contudo, muito frequentemente,
a ajuda obtida é imprevisível, cheia
de condicionalismos, descoordenada e ligada a
compras nos países doadores, não
reflectindo uma dinâmica de reforma interna.
A ajuda externa é tão incerta que
as (actuais) dotações de ajuda—declara
o Relatório—dificultam, aos países
em desenvolvimento,
o planeamento de despesas como as que são
relativas aos salários dos professores
e à criação de infra-estruturas.
Uma fraca coordenação
das doações, uma preferência
pela actuação fora dos canais governamentais,
assim como excessivas exigências de relatórios,
resultam no aumento dos custos de transacção
e na redução da eficácia
da ajuda—segundo concluiu a equipa de pesquisa.
O ex-ministro das Finanças do Afeganistão,
Ashraf Ghani, é citado pelo Relatório
como exemplo de alguém que ocupou 60% do
seu tempo de trabalho a gerir os doadores, em
termos de receber missões visitantes e
representantes para reiterar a política
do governo, a arranjar fundos, a discutir e negociar
projectos… “Este tempo podia, em vez
disso, ter sido dedicado a aumentar as receitas
internas
e a gerir a reforma interna”—salientou
ele.
Os países doadores—defendem
os autores do Relatório—também
afectam a eficácia dos seus próprios
programas de desenvolvimento «ligando»
a ajuda à compra dos seus próprios
produtos nacionais. Tais disposições
custam, aos países em desenvolvimento,
até mais 20% do que pagariam se comprassem
os mesmos produtos no mercado livre—o que
equivale a 5 a 7 mil milhões de dólares
por ano, segundo as novas estimativas publicadas
no Relatório do Desenvolvimento Humano
de 2005, cabendo aos países de rendimento
baixo pagar 2,6 mil milhões de dólares
por ano. “Só no caso de África,
o ‘imposto’ da ajuda ligada custa
1,6 mil milhões de dólares por ano
—um enorme desvio de recursos dos investimentos
na redução da pobreza,” diz
o Relatório, que apela para a eliminação,
entre 2006
e 2008, de toda a ajuda ligada.
Os fundos internacionais, como
o Fundo Global para combater a SIDA, a Tuberculose
e a Malária (Global Fund to Fight AIDS,
Tuberculosis and Malaria) e outras iniciativas
multilaterais—segundo o Relatório—constituem
uma alternativa válida, na medida em
que demonstram como o multilateralismo pode “oferecer
vantagens à gestão financeira da
ajuda, reduzir o risco de influência por
parte do doador e fazer alinhar o fluxo da ajuda
com as prioridades de desenvolvimento nacionais.”
Os países doadores poderão dar mais?
Reconhecendo que todos os países doadores têm as suas limitações financeiras, o Relatório argumenta que, em comparação com outros pontos orçamentais, a ajuda ao desenvolvimento continua a ser muito reduzida e que um aumento teria um efeito insignificante nas finanças do país receptor, ao passo que teria simultaneamente um impacte importante na salvação de vidas nos países mais pobres.
Propostas para melhorar a ajuda externa
O Relatório do Desenvolvimento Humano de 005 também destaca diversas propostas para programas de melhor ajudar em mais estreita conexão com as prioridades para o desenvolvimento humano à escala nacional, no seio de cada país beneficiário:
· Estabelecer a previsão de um rácio de ajuda ao RNB (Rendimento Nacional Bruto) da ordem de 0,7% para. Os doadores devem assumir o compromisso orçamental de fixar um nível mínimo de 0,5% para 2010, a fim de se alcançar o objectivo previsto para 2015.
· Disponibilizar um financiamento previsível para vários anos através de programas governamentais. Os doadores devem fixar objectivos mais ambiciosos quanto à disponibilização de fluxos sustentáveis, operacionais através de estruturas nacionais, e quanto à capacidade de organização. Antes de 2010, pelo menos 90% deve ser entregue de acordo com as previsões acordadas.
· Racionalizar o condicionalismo. O condicionalismo deve convergir sobre aquilo que é mesmo essencial e as necessárias medidas de aplicação devem ser firmemente integradas em programas de reforma estabelecidos de mútuo acordo mas impulsionados a nível nacional.
· Acabar com a ajuda ligada. As condições onerosas impostas pelo doador revelam, demasiado frequentemente, que o dinheiro da ajuda é gasto ineficazmente e, por vezes, nem chega aos seus beneficiários previstos. Esta prática deve ser interrompida desde já.
· Conter os débitos mais sustentáveis. As obrigações do serviço da dívida devem ter em conta a capacidade dos países devedores para pagarem sem comprometerem os seus progressos na direcção dos ODM.
* * * *
SOBRE ESTE RELATÓRIO:
Todos os anos, desde 1990, o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
tem encomendado o Relatório do Desenvolvimento
Humano a uma equipa constituída por especialistas
independentes, tendo por objectivo analisar questões
fundamentais, de interesse global. À escala
mundial, uma rede de pessoas de destaque a nível
académico, governamental e da sociedade
civil colabora fornecendo dados, ideias e sugestões
quanto à melhor prática a seguir
em apoio à análise
e às propostas publicadas no Relatório.
O conceito de Desenvolvimento Humano não
se limita a ter em consideração
o rendimento
per capita, o desenvolvimento dos recursos humanos
e as necessidades básicas como medidas
de avaliação do progresso humano,
pois também avalia factores como a liberdade
humana, a dignidade e a intervenção
humana, isto é, o papel das pessoas no
desenvolvimento. O Relatório do Desenvolvimento
Humano 2005 defende que o desenvolvimento é,
em última análise, «um processo
de alargamento
das opções das pessoas» e
não apenas uma questão de aumento
dos rendimentos nacionais.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de
2005 é publicado em inglês pela Oxford
University Press. A versão portuguesa é
editada por: ANA PAULA FARIA EDITORA, Unipessoal,
Lda. – Rua Conselheiro Arantes Pedroso,
6 - 3º Esq./Dtº., 1150-112 Lisboa.
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ACERCA DO PNUD: O PNUD é a rede mundial das Nações Unidas para o desenvolvimento, defendendo a mudança e ligando os países ao conhecimento, experiência e recursos, a fim de ajudar as pessoas a construírem uma vida melhor. Estamos no terreno em 166 países, trabalhando com eles em soluções próprias para os desafios do desenvolvimento nacional e mundial. Ao desenvolverem a capacidade local, recorrem aos funcionários do PNUD e ao nosso vasto círculo de parceiros. Para informação suplementar, consultar o website do PNUD: http://www.undp.org