Princípios orientadores para a prevenção e repressão do crime organizado
Adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1990.
O Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes,
Reconhecendo que a crescente ameaça do crime organizado, com todos os seus efeitos altamente desestabilizadores e destruidores para as grandes instituições sociais, econômicas e políticas, representa um desafio que exige uma cooperação internacional reforçada e cada vez mais eficaz,
Recordando que, no Plano de Ação de Milão(202), adotado no Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, está estabelecido que é necessário empreender ativamente um esforço considerável para combater, e finalmente eliminar, os fenômenos destruidores que constituem o tráfico ilícito, o abuso de drogas e o crime organizado,
Recordando também que o Sétimo Congresso, na sua Resolução 1(203), recomendou que o Comitê para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinqüência fosse convidado a elaborar um conjunto completo de diretrizes e de normas que ajudassem os Governos a elaborar medidas de luta a nível nacional, regional e internacional contra as atividades delituosas organizadas,
Recordando além disso que a Assembléia Geral, através da sua Resolução 40/32, de 29 de Novembro de 1985, aprovou o Plano de Ação de Milão como meio útil e eficaz para reforçar a cooperação internacional no domínio da prevenção do crime e da justiça penal e fez suas as outras resoluções adotadas por unanimidade pelo Sétimo Congresso,
Observando que a Assembléia Geral, através das suas Re-soluções 41/107, 42/59 e 43/99, respectivamente de 4 de Dezembro de 1986, 30 de Novembro de 1987 e 8 de Dezembro de 1988, bem como o Conselho Econômico e Social, através das suas Resoluções 1986/10 e 1987/53, respectivamente de 21 de Maio de 1986 e 28 de Maio 1987, têm vindo a solicitar insistentemente aos Estados membros que dêem prioridade, além do mais, à aplicação das recomendações contidas no Plano de Ação de Milão,
Recordando as disposições que constam da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas(204) adotada em 1988,
Reconhecendo que o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas é uma atividade criminosa cuja supressão se torna questão prioritária e que exige da parte de todos os Estados uma ação concertada a nível nacional, regional e internacional, e particularmente a ratificação rápida da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, bem como a adesão à referida Convenção,
Reconhecendo também que o Conselho Econômico e Social, através da sua Resolução 1989/70, de 24 de Maio de 1989, instou os Governos, as organizações internacionais e as organizações não governamentais competentes, em cooperação com o Comitê para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinqüência, a darem uma atenção particular à promoção da cooperação internacional contra as atividades delituosas organizadas,
Observando, além disso, que a Assembléia Geral, na sua Resolução 44/72, de 8 de Dezembro de 1989, reafirmou a validade do Plano de Ação de Milão e pediu ao Oitavo Congresso, nomeadamente, que propusesse medidas de repressão viáveis com vista a eliminar as atividades delituosas organizadas,
1. Adota os Princípios Orientadores que figuram em anexo à presente resolução, como recomendações úteis para a adoção de medidas nacionais e internacionais contra o crime organizado;
2. Solicita insistentemente aos Estados membros que considerem favoravelmente a possibilidade de pô-las em prática, a nível nacional e internacional, na medida em que for julgado necessário;
3. Convida os Estados membros a comunicarem ao Secretário-?Geral, a pedido deste, as normas das respectivas legislações relativas ao branqueamento de dinheiro e à identificação, detecção e perda do produto do crime, à fiscalização das transações com montantes em espécie muito elevados e outras medidas, a fim de que estas disposições sejam levadas ao conhecimento dos Estados membros que, nestes domínios, queiram adotar leis ou enriquecer as suas legislações já existentes.
ANEXO
Princípios orientadores para a prevenção e repressão do crime organizado
A. Medidas nacionais
Estratégias preventivas
1. A sensibilização e a mobilização do público são elementos importantes para toda a ação preventiva. Os programas de educação e de promoção e a sensibilização do público têm permitido modificar a atitude da coletividade e obter o respectivo apoio. Medidas desta ordem podem contribuir para reduzir a fraude fiscal, podem ser desenvolvidas e pode sistematizar-se o respectivo uso, tomando como alvo as infrações que apresentam um particular grau de nocividade social e econômica para a coletividade e obtendo o concurso dos meios de informação que possam desempenhar um papel positivo.
2. Deveriam promover-se a pesquisa sobre as estruturas do crime organizado e a avaliação da eficácia das contramedidas existentes, dado que as mesmas podem contribuir para assegurar, em bases mais sólidas, os programas de prevenção. Por exemplo, a pesquisa sobre a corrupção, respectivas causas, natureza e efeitos, as correspondentes ligações com o crime organizado e com as medidas anticorrupção, constitui um requisito necessário para elaborar programas de prevenção.
3. Devem estudar-se permanentemente diversos meios possíveis de prevenir o crime organizado ou reduzir ao mínimo os respectivos efeitos. Ainda que, em numerosos países, a questão da prevenção do crime seja um domínio relativamente subdesenvolvido, medidas particulares vieram a revelar-se eficazes num certo número de sectores. Deveria promover-se a elaboração de programas detalhados com vista a dissuadir o delinqüente potencial, a reduzir as oportunidades de cometer infrações e a tornar a sua perpetração mais detectável. Os programas de luta contra a fraude representam um progresso importante neste sentido. Entre outras medidas que podem ser adotadas, citar-se-ão a análise dos riscos com vista a avaliar a vulnerabilidade à fraude, as estratégias de controlo em domínios tais como os sistemas e os procedimentos, a gestão e a supervisão do pessoal, a segurança psíquica, a informação e o esclarecimento, a informática, as estratégias de inquéritos e os programas de formação. Devem igualmente criar-se organismos anticorrupção ou outros mecanismos similares. Estudos sobre o impacto das atividades delituosas e a identificação dos fatores criminógenos dos novos programas de desenvolvimento poderiam permitir a adoção de medidas preventivas e corretivas, a quando da respectiva planificação.
4. A melhoria da eficácia da repressão e da administração da justiça penal constitui uma estratégia de prevenção importante, fundada sobre os procedimentos mais eficazes e mais justos chamados a desempenharem um efeito dissuasório e a reforçarem a proteção dos direitos do homem. Métodos de planificação concebidos para integrar e coordenar os diferentes serviços da justiça penal que funcionam muitas vezes independentemente uns dos outros, tal como foi sublinhado nos Princípios Orientadores para a Prevenção do Crime e a Justiça Penal no Contexto do Desenvolvimento e de uma Nova Ordem Econômica Internacional(205), terão igualmente um efeito dissuasório quanto à criminalidade.
5. Deveriam melhorar-se as competências e as qualificações profissionais dos agentes dos serviços de repressão e da justiça, dispensando-lhes uma melhor formação, a fim de melhorar a eficácia, a coerência e a equidade dos sistemas nacionais de justiça penal. Deveriam organizar-se, para este efeito, programas regionais e programas conjuntos de formação, a fim de permitir uma troca de informações sobre as técnicas já comprovadas e sobre as novas tecnologias.
6. Deveriam apoiar-se os esforços desenvolvidos pelos países produtores de drogas, com vista a eliminar a produção e a manufatura ilícitas de drogas. Particularmente, os países desenvolvidos deveriam conceder-lhes assistência técnica e financeira, a fim de porem em prática, programas de substituição de culturas, e deveriam também intensificar esforços no sentido de reduzir, de modo drástico, dentro dos seus próprios países, a procura e o consumo de drogas ilícitas.
Legislação penal
7. Deveria encorajar-se a adoção de uma legislação que definisse novas infrações em matéria de branqueamento de fundos, de fraude organizada e de abertura e utilização de contas bancárias sob um nome falso. A criminalidade informática constitui igualmente um domínio que seria necessário examinar. Além disso, deveriam reformar-se as legislações civis e fiscais e as disposições regulamentares relativas à luta contra o crime organizado. Deveriam pôr-se em comum, no quadro das Nações Unidas, as informações disponíveis sobre as inovações importantes ocorridas nestes últimos anos, a fim de facilitar, em bases sólidas, a harmonização do direito penal em matéria de crime organizado.
8. O confisco dos rendimentos das atividades delituosas representa um dos fatos novos mais significativos. As medidas que os Estados poderiam encarar, neste contexto, poderiam ser, entre outras: congelamento ou imobilização e confisco ou apreensão de bens utilizados na prática de uma infração ou que provenham de atividades ilícitas; imposição de multas equivalentes ao valor monetário, fixado pelo tribunal, dos lucros obtidos da infração pelo delinqüente. Os mecanismos viáveis de luta que foram preparados nos diversos países deveriam ser levados, sistematicamente, à consideração dos países interessados, a fim de que pudessem ser largamente utilizados. O destino a dar aos bens confiscados pelo respectivo país, a pedido de um outro, poderia ser objeto de acordos bilaterais.
Investigação penal
9. Deveria dirigir-se a atenção sobre os novos métodos de inquérito penal e sobre as técnicas elaboradas nos diversos países para seguir "a pista do dinheiro". São importantes, a este respeito, as ordens, emanadas das autoridades competentes, prevendo a produção ou a busca e a apreensão de qualquer documento relacionado com a pista do dinheiro, nomeadamente as ordens dadas às instituições financeiras no sentido de fornecerem todas as informações que permitam descobrir ou seguir a dita pista, nomeadamente dados precisos sobre as contas pertencentes a uma pessoa determinada ou sobre toda e qualquer transação de mercadoria suspeita ou não habitual, com a obrigação de indicar estas últimas à autoridade competente. Os bancos e outras instituições financeiras não deveriam prevalecer-?se do princípio da confidencialidade, perante uma ordem emitida pela autoridade judicial competente.
10. A interceptação das telecomunicações e o recurso à vigilância eletrônica são também meios de luta eficaz, com a reserva, porém, de que os direitos do homem sejam devidamente respeitados.
11. A proteção das testemunhas contra atos de violência e de intimidação torna-se cada vez mais importante nos inquéritos penais e nos processos, na repressão do crime organizado. Nomeadamente, deveriam prever-se os meios de não divulgar a identidade das testemunhas ao argüido e seu advogado, de fornecer às mesmas alojamento seguro e proteção física, de assegurar a sua reinstalação e de lhes fornecer apoio financeiro.
Repressão e administração da justiça penal
12. A repressão desempenha um papel crucial nos programas contra o crime organizado. É importante assegurar que os serviços de repressão tenham poderes suficientes, acautelados que sejam devidamente os direitos do homem. Deveria atentar-se na possibilidade de criar um órgão interdisciplinar especializado, encarregado unicamente de lutar contra o crime organizado.
13. Deveria igualmente pôr-se a tónica na tomada de medidas técnicas e administrativas, tendo por objetivo reforçar o grau de eficácia dos serviços encarregados dos inquéritos e das condenações, nomeadamente os inquiridores e o poder judicial. Além disso, deviam realizar-se cursos de deontologia no âmbito dos programas de estudos dos institutos de formação dos agentes dos serviços de repressão e do pessoal de justiça. Alguns dos instrumentos elaborados pela Organização das Nações Unidas poderiam ser utilizados para este fim, nomeadamente os Princípios Básicos sobre a Independência da Magistratura(206) e o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei(207).
B. Cooperação internacional
14. Dadas as dimensões internacionais do crime organizado, é preciso elaborar urgentemente novos e eficazes acordos de cooperação, de âmbito mais global. A troca de informação entre os serviços competentes dos Estados membros é igualmente uma atividade importante que é preciso reforçar e desenvolver.
15. Os Estados deveriam apoiar vigorosamente todas as iniciativas úteis tomadas quer pelos países quer pelas instituições internacionais para combater o tráfico ilícito de drogas e deveriam advertir os outros Estados do perigo iminente que este representa. Todos os países deveriam participar na luta contra o crime organizado, o qual é uma preocupação comum a todos. A este respeito, seria necessário dedicar, a nível internacional, um esforço coerente e sustentado, com vista à troca de dados e de recursos operacionais necessários.
16. Deveriam elaborar-se e aplicar-se leis tipo para o confisco do produto do crime.
17. Deveriam elaborar-se estratégias específicas e métodos que visassem uma melhor delimitação entre mercados financeiros legítimos e mercado de capitais ilícitos.
18. Deveria intensificar-se a cooperação técnica em todas as suas formas, desenvolvendo os respectivos serviços consultivos, permitindo, assim, que se compartilhassem experiências e que se ajudassem os países que delas carecessem. Deveria promover-?se a organização de conferências internacionais, regionais e sub-regionais, nas quais participassem agentes dos serviços de repressão, representantes do Ministério Público e do poder judicial.
19. Deveria tirar-se partido das técnicas modernas, nos domínios dos controles de passaportes e de viagens, e encorajar-se os esforços necessários para identificar e vigiar os automóveis, barcos e aeronaves utilizados para roubos, transferências internacionais ou para expedições ilícitas.
20. Deveriam criar-se ou desenvolver-se bases de dados que reunissem informações sobre a aplicação das leis, sobre as transações financeiras e sobre os delinqüentes, tendo devidamente em conta o caráter confidencial destas informações.
21. Deveria dar-se prioridade às questões de auxílio judiciário, da transferência de diligências processuais, e da execução de sentenças penais, nomeadamente a apreensão e o confisco de bens ilícitos, bem assim como de processos de extradição.
22. Deveriam apoiar-se buscas comparativas e a recolha de dados sobre as questões ligadas ao crime organizado internacional, às suas causas, às suas relações com os fatores de instabilidade interna e as outras formas de criminalidade, bem assim como a sua prevenção e repressão.
23. Os institutos regionais e inter-regionais das Nações Unidas para a prevenção do crime e a luta contra a delinqüência e as organizações intergovernamentais e não governamentais interessadas deveriam dar maior atenção à questão do crime organizado.
24. Deveriam instar-se o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outras instituições de financiamento do sistema das Nações Unidas, assim como os Estados membros, a reforçarem o seu apoio aos programas nacionais, regionais e internacionais de prevenção e de repressão do crime organizado.
(202) Septième Congrès des Nations
Unies ..., cap. I, sec. A.
(203) Ibid., Sec. E.
(204) E/CONF.82/15 e Corr. 2.
(205) Septième Congrès des Nations
Unies ..., cap. I, sec. B.
(206) Ibid., sec. D.
(207) Resolução 34/169 da Assembleia
Geral, anexo.