Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos
Nós participantes da "V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos", reunidos na cidade de Hamburgo, reafirmamos que apenas o desenvolvimento centrado no ser humano e a existência de uma sociedade participativa, baseada no respeito integral aos direitos humanos, levarão a um desenvolvimento justo e sustentável. A efetiva participação de homens e mulheres em cada esfera da vida é requisito fundamental para a humanidade sobreviver e enfrentar os desafios do futuro.
A educação de adultos, dentro desse contexto, torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de ser um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.
A educação de adultos pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à sua vida. A educação ao logo da vida implica repensar o conteúdo que reflita certos fatores, como idade, igualdade entre os sexos, necessidades especiais, idioma, cultura e disparidades econômicas. Engloba todo o processo ed aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas "adultas"pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade.
A educação de adultos inclui a educação formal, a educação não-formal e o espectro da aprendizagem informal e incidental disponível numa sociedade multicultural, onde os estudos baseados na teoria e na pratica devem ser reconhecidos.
Apesar de o conteúdo referente à educação de adultos e à educação de crianças e adolescentes variar de acordo com os contextos socioeconômicos, ambientais e culturais, e também variarem as necessidades das pessoas segundo a sociedade onde vivem, ambas são elementos necessários a uma nova visão de educação, onde o aprendizado acontece durante a vida inteira. A perspectiva de aprendizagem durante toda a vida exige, por sua vez, complementaridade e continuidade. É de fundamental importância a contribuição da educação de adultos e da educação continuada para a criação de uma sociedade tolerante e instruída, para o desenvolvimento socioeconômico, para a erradicação do analfabetismo, para a diminuição da pobreza e para a preservação do meio ambiente.
Os objetivos da educação de jovens e adultos, vistos como um processo de longo prazo, desenvolvem a autonomia e o senso de responsabilidade das pessoas e das comunidades, fortalecendo a capacidade de lidar com as transformações que ocorrem na economia, na cultura e na sociedade como um todo;
promove a coexistência,
a tolerância e a participação
criativa e critica dos cidadãos em suas
comunidades, permitindo assim que as pessoas controlem
seus destinos e enfrentem os desafios que se encontram
à frente. É essencial que as abordagens
referentes à educação de
adultos estejam baseadas no patrimônio cultural
comum, nos valores e nas experiências anteriores
de cada comunidade, e que estimular o engajamento
ativo e as expressões dos cidadãos
nas sociedades em que vivem.
Esta Conferencia reconhece a diversidade dos sistemas políticos, econômicos e sociais, bem como as estruturas governamentais entre os países-membros. De acordo com tal diversidade, e assegurando o respeito integral aos direitos humanos e às liberdades individuais, esta Conferencia reconhece que as circunstâncias particulares vividas pelos países-membros determinarão, em grande parte, as medidas que os governos devem adotar para avançar na consecução e no espírito de nossos objetivos.
Os representantes de governos e organizações participantes da V Conferencia Internacional sobre a Educação de Adultos decidiram, unanimemente, explorar o potencial e o futuro da educação de adultos, dinamicamente concebida dentro do contexto da educação continuada por toda a vida.
Durante esta década, a educação de adultos sofreu profundas transformações, experimentando um forte crescimento na sua abrangência e na sua escala. Em sociedades baseadas no conhecimento, que estão surgindo em todo o mundo, a educação de adultos e a educação continuada tem-se tornado um necessidade, tanto nas comunidades como nos locais de trabalho. As novas demandas da sociedade e as expectativas.de crescimento profissional requerem, durante roda a vida do indivíduo, uma constante atualização de seus conhecimentos e de suas habilidades. No centro dessa transformação, está o novo papel do Estado e a necessidade de se expandirem as parcerias com a sociedade civil visando à educação de adultos.
Estado ainda é o principal veículo para assegurar o direito de educação para todos, particularmente, para os grupos menos privilegiados da sociedade, tais como as minorias e os povos indígenas. No contexto das novas parcerias entre o setor público, o setor privado e a comunidade, o papel do Estado está em transformação. Ele não é apenas um mero provedor de educação para adultos, mas também um consultor, um agente financiador, que monitora e avalia ao mesmo tempo.
Governos e parceiros sociais devem tomar medidas necessárias para garantir o acesso, durante toda a vida dos indivíduos, às oportunidades de educação. Do mesmo modo, é dever do Estado garantir aos cidadãos a possibilidade de expressar suas necessidades e suas aspirações em termos educacionais.
No que tange ao governo, a educação de adultos, não deve estar confinada a gabinetes de Ministérios de Educação: todos os Ministérios devem estar envolvidos na promoção da educação de adultos e, para tanto, a cooperação interministerial é imprescindível. Além disso, empresários, sindicatos, organizações não governamentais e comunitárias e grupos indígenas e de mulheres têm a responsabilidade de interagir e de criar oportunidades, para que a educação continuada durante a vida seja uma realidade possível e reconhecida.
Educação básica para todos significa dar às pessoas, independentemente da idade, a oportunidade de desenvolver seu potencial, coletiva ou individualmente. Não é apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com os outros e com toda a sociedade. É fundamental que o reconhecimento do direito à educação continuada durante a vida seja acompanhado de medidas que garantam as condições necessárias para o exercício desse direito.
Os desafios do século XXI não podem ser enfrentados por governos, organizações e instituições isoladamente; a energia, a imaginação e a criatividade das pessoas, bem como sua vigorosa participação em todos os aspectos da vida, são igualmente necessárias. A educação de jovens e adultos é um dos principais meios para se aumentar significativamente a criatividade e a produtividade, transformando-as numa condição indispensável para se enfrentar os complexos problemas de um mundo caracterizado por rápidas transformações e crescente complexidade e riscos.
O novo conceito de educação de jovens e adultos apresenta novos desafios às práticas existentes, devido à exigência de um maior relacionamento entre os sistemas formais e os não-formais e de inovação, além de criatividade e flexibilidade. Tais desafios devem ser encarados mediante novos enfoques, dentro do contexto da educação continuada durante a vida. Promover a educação de adultos, usar a mídia e a publicidade local e oferecer orientação imparcial é responsabilidade de governos e de toda a sociedade civil. O objetivo principal dever ser a criação de uma sociedade instruída e comprometida com a justiça social e o bem-estar geral.
Alfabetização de adultos. A alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a todos num mundo em transformação em sentido amplo, é um direito humano fundamental. Em toda sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. Existem milhões de pessoas - a maioria mulheres - que não têm a oportunidade de aprender nem mesmo o acesso a esse direito. O desafio é oferecer-lhes esse direito. Isso implica criar pré-condições para a efetiva educação, por meio da conscientização e do fortalecimento do individuo. A alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser requisito básico para a educação continuada durante toda a vida.
Portanto, nós nos comprometemos a assegurar oportunidades para que todos possam ser alfabetizados; comprometemo-nos também a criar, nos Estados-Membros, um ambiente favorável à proteção da cultura oral. Oportunidades de educação para todos, incluindo os afastados e os excluídos, é a preocupação mais urgente. A Conferência vê com agrado a iniciativa de se proclamar a década da alfabetização, a partir de 1998, em homenagem a Paulo Freire.
O reconhecimento do "Direito à Educação" e do "Direito a Aprender por Toda a Vida" é , mais do que nunca, uma necessidade: é o direito de ler e de escrever; de questionar e de analisar; de ter acesso a recursos e de desenvolver e praticar habilidades e competências individuais e coletivas.
O fortalecimento e a integração
das mulheres. As mulheres têm o direito
às mesmas oportunidades que os homens.
A sociedade, por sua vez, depende da sai contribuição
em todas as áreas de trabalho e em todos
os aspectos da vida cotidiana. As políticas
de educação voltadas para a alfabetização
de jovens e adultos devem estar baseadas na cultura
própria de cada sociedade, dando prioridade
à expansão das oportunidades educacionais
para todas as mulheres, respeitando sua diversidade
e eliminando os preconceitos e estereótipos
que limitam o seu acesso à educação
e que restringem os seus benefícios. Qualquer
argumentação em favor de restrições
ao direito de alfabetização das
mulheres deve ser categoricamente rejeitada. Medidas
devem ser tomadas para fazer face a tais argumentações.
Cultura da Paz e educação para a
cidadania e para a democracia. Um dos principais
desafios de nossa época é eliminar
a cultura da violência e construir uma cultura
da paz, baseada na justiça e na tolerância,
na qual o diálogo, o respeito mútuo
e a negociação substituirão
a violência nos lares e comunidades, dentro
de nações e entre países.
Diversidade e Igualdade. A educação de adultos deve refletir a riqueza da diversidade cultural, bem como respeitar o conhecimento e formas de aprendizagem tradicionais dos povos indígenas. O direito de ser alfabetizado na língua materna deve ser respeitado e implementado. A educação de adultos enfrenta um grande desafio, que consiste em preservar e documenta o conhecimento oral de grupos étnicos minoritários e de povos indígenas e nômades. Por outro lado, a educação intercultural deve promover o aprendizado e o intercâmbio de conhecimento entre e sobre diferentes culturas, em favor da paz, dos direitos humanos, das liberdades fundamentais, da democracia, da justiça, da coexistência pacífica e da diversidade cultural.
Saúde.
A saúde é um direito humano básico. Investimentos em educação são investimentos em saúde.
A educação continuada pode contribuir significativamente para a promoção da saúde e para a prevenção de doenças. A educação de adultos democratiza a oportunidade de acesso à saúde. Sustentabilidade ambiental. A educação voltada para a sustentabilidade ambiental deve ser um processo de aprendizagem que deve ser oferecido durante toda a vida e que, ao mesmo tempo, avalia os problemas ecológicos dentro de um contexto socioeconômico, político e cultural. Um futuro sustentável não pode ser atingido se não for analisada a relação entre os problemas ambientais e os atuais paradigmas de desenvolvimento. A educação ambiental de adultos pode desempenhar um papel fundamental no que se refere à mobilização das comunidades e de seus líderes, visando ao desenvolvimento de ações na área ambiental.
A educação e a
cultura de povos indígenas e nômades.
Povos indígenas e nômades têm
o direito de acesso a todas as formas e níveis
de educação oferecidos pelo Estado.
Não se lhes deve negar o direito de usufruírem
de sua própria cultura e de seu próprio
idioma. Educação para povos indígenas
e nômades deve ser cultural e lingüisticamente
apropriada a suas necessidades, devendo facilitar
o acesso à educação avançada
e ao treinamento profissional.
Transformações na economia. A globalização,
mudança nos padrões de produção,
desemprego crescente e dificuldade de levar uma
vida estável exigem políticas trabalhistas
mais efetivas, assim como mais investimentos em
educação, de modo a permitir que
homens e mulheres desenvolvam suas habilidades
e possam participar do mercado de trabalho e da
geração de renda.
Acesso à informação. O desenvolvimento de novas tecnologias, nas áreas de informação e comunicação, traz consigo novos riscos de exclusão social para grupos de indivíduos e de empresas que se mostram incapazes de se adaptar a essa realidade. Uma das funções da educação de adultos, no futuro, deve ser o de limitar esses riscos de exclusão, de modo que a dimensão humana das sociedades da informação se torne preponderante.
A população de idosos. Existem hoje mais pessoas idosas no mundo do que havia antigamente, e esta proporção continua aumentando. Esses adultos mais velhos têm muito a oferecer ao desenvolvimento da sociedade. Portanto, é importante que eles tenham a mesma oportunidade de aprender que os mais jovens. Suas habilidades deve ser reconhecidas, respeitadas e utilizadas.
Na mesma linha da Declaração de Salamanca, urge promover a integração e a participação das pessoas portadoras de necessidades especiais. Cabe-lhes o mesmo direito de oportunidades educacionais, de ter acesso a uma educação que reconheça e responda às suas necessidades e objetivos próprios, onde as tecnologias adequadas de aprendizado sejam compatíveis com as especificidades que demandam.
Devemos agir como urgência para aumentar e garantir o investimento nacional e internacional na educação de jovens e adultos. Da mesma forma, devemos atuar de modo a garantir o engajamento dos recursos do setor privado e das comunidades locais nessa tarefa. A Agenda para o Futuro, que nós adotamos aqui, visa à consecução desses objetivos.
Dentro do Sistema das Nações
Unidas, a UNESCO tem um papel preponderante no
campo da
educação. Assim, deve desempenhar
um papel de destaque na promoção
da educação de adultos, angariando
apoios e mobilizando outros parceiros, particularmente
aqueles dentro do Sistema das Nações
Unidas. Isso contribuirá para a implementação
da Agenda para o Futuro, facilitando a prestação
de serviços necessários ao fortalecimento
da coordenação e da cooperação
internacionais.
A UNESCO deverá encorajar os Estados-Membros a adorar políticas e legislações que favoreçam pessoas portadoras de necessidades especiais, assim como a considerar, em seus programas de educação, a diversidade de cultura, de línguas, de gênero e de situação econômica.
Solenemente declaramos que todos os setores acompanharão atentamente a implementação desta Declaração e da Agenda para o Futuro, distinguindo claramente as responsabilidades e cooperando com outros parceiros. Estamos determinados a assegurar que a educação continuada durante a vida se torne uma realidade concreta no começo do século XXI. Com tal propósito, assumimos o compromisso de promover a cultura do aprendizado com o movimento "uma hora diária para aprender", e com a promoção, pelas Nações Unidas, da Semana de Educação de Adultos.
Nós, reunidos em Hamburgo, convencidos da necessidade da educação de adultos, nos comprometemos com o objetivo de oferecer a homens e mulheres as oportunidades de educação continuada ao longo de suas vidas. Para tanto, construiremos amplas alianças para mobilizar e compartilhar recursos, de forma a fazer da educação de adultos um prazer, uma ferramenta, um direito e uma responsabilidade compartilhada.