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Indústria do álcool do Rio é primeira
no ranking de trabalho escravo no país

TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL


Adonia Antunes Prado - Professora da UFRJ e da UFF
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos – NEPP-DH/UFRJ

No contexto dos debates realizados no último Fórum Social Mundial e coincidindo com o mesmo, realizou-se a 1ª. Semana Nacional contra o Trabalho Escravo, cuja programação incluiu atividades em vários estados e no Distrito Federal, realizadas por entidades da sociedade civil, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), por parlamentares e representantes de governos estaduais e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, e por entidades internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho. Vale lembrar que há seis anos, no dia 28 de janeiro, no estado de Minas Gerais, teve lugar o que ficou conhecido como “A chacina de Unaí” e, a partir de então, essa data passou a ser celebrada como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Naquela ocasião, três auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e o motorista que os acompanhava foram assassinados em uma emboscada, durante uma fiscalização. Até a presente data, estão presos os supostos pistoleiros, contratante e intermediário. Os principais acusados como mandantes do crime - suspeitos de exploração de trabalho escravo - continuam soltos e impunes.

Em 1995, o Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) criou o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que congrega auditores fiscais, membros do Ministério Público do Trabalho e policiais federais, com a incumbência de fiscalizar e aplicar a lei nos casos de exploração de mão-de-obra escrava. Desde então, a sociedade brasileira viu crescerem o envolvimento dos movimentos sociais, a criação de dois planos nacionais de erradicação do trabalho escravo e de vários planos e iniciativas dos poderes públicos estaduais. A universidade pública assumiu o tema como algo que também lhe diz respeito, por meio da realização na UFRJ, desde 2007, de reuniões anuais congregando pesquisadores de vários estados brasileiros e do exterior. Foram criados a Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, coordenada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Cadastro de Empregadores - a chamada “Lista Suja” de proprietários flagrados explorando mão-de-obra escrava – e o Pacto Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, firmado por empresários, a Campanha Nacional e campanhas setoriais de combate e prevenção – incluindo atividades de educação e de capacitação de educadores -, dentre outros fatores que tornaram o Brasil um exemplo no combate a essa chaga social.

Entretanto, dados do MTE e da CPT indicam que, nos catorze últimos anos, mais de trinta e seis mil trabalhadores foram resgatados por representantes do Estado, sendo que apenas entre os anos 2003 e 2009, o número de libertados foi de pouco mais de trinta e dois mil, somando os trabalhadores envolvidos nas denúncias mais de cinqüenta mil. A partir daí se podem observar pelo menos dois fatos alarmantes. O primeiro demonstra que o número de casos conhecidos cresce à medida em que aumenta a ação coercitiva do Estado, como ocorreu nos últimos anos. Isto leva à suposição de que estamos longe de esgotar as descobertas de tais situações criminosas ou, fazendo uso do bordão popular, a de que também neste assunto, “quem procura, acha”. O segundo fato é que, em relação às situações conhecidas, apenas dois entre três trabalhadores vitimados foram libertados.

Outras informações também provocam preocupação. Por exemplo, tomando por base informações do MTE, em 2009, o Rio de Janeiro inaugurou sua presença na lista dos “campeões” em trabalho escravo. Em apenas cinco operações de fiscalização o Rio, houve quinhentos e vinte um trabalhadores libertados – o maior número para o Brasil no ano - enquanto o Pará, tradicional palco deste tipo de infração, em sessenta e quatro operações teve pouco mais de trezentas libertações. Pernambuco também é um estado que está debutando nas listas da exploração do trabalho escravo. Nestes dois casos, o setor econômico que está concentrando tais ocorrências é o sucro-alcooleiro, em plena expansão nestes tempos de produção de etanol e de busca por fontes alternativas de energia.

Em 2001, o Senado aprovou o Projeto de Emenda Constitucional 438 – a PEC do Trabalho Escravo – que prevê a expropriação de terras, sem direito a indenizações, nas propriedades onde for encontrada mão-de-obra escrava. Até o presente momento a PEC não foi votada. Um abaixo assinado que já conta com cerca de 200 mil assinaturas circula pelo Brasil e deverá ser entregue no dia 13 de maio ao presidente da Câmara dos Deputados.
Frente a este quadro, o que se pode esperar? O trabalho escravo contemporâneo será, como afirmam alguns, um “mal de origem”- marca indelével, pecado original - do sistema capitalista? A república para todos seria um objetivo inalcançável? Se assim fosse, de nada teria adiantado o trabalho e a dedicação dos que defenderam e/ou seguem defendendo um “outro mundo possível”.

PUBLICADO NO JORNAL DO BRASIL DE 07/02/2010

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