Coordenador: Professor Adjunto (A) Pedro Cláudio Cunca B.B. Cunha
Apresentação:
No Laboratório de Estudos da Conjuntura acompanhamos o giro epistemológico da pesquisa sobre os macroprocessos e os microprocessos que atravessam e constituem os usos do lugar, para podermos refletir sobre as políticas públicas em relação ao direito à cidade. Entendemos as "novas geografias" na perspectiva da noção ampliada de espacialidades, recuperando a questão do território como totalidade. O espaço da totalidade, enquanto resultante da soma dos lugares constituídos pelos sujeitos sociais através de seus usos, com ênfase nas distintas temporalidades das práticas espaciais configuradas pela ação e pela técnica. Vendo a conjuntura se transformar através da disputa e conformação dos processos de retorno ao território, entendido como questão política e, como questão epistemológica decisiva, para elaborarmos uma crítica à globalização desde a centralidade do social da periferia. Por isso, devemos nos concentrar na análise das conjunturas (dos distintos momentos políticos) desde as espacialidades. Para a qualificação dos diferentes contextos situacionais pretendemos nos apoiar nas metodologias de conhecimento chamadas "cartografias da ação" e nas técnicas que identificam os "agenciamentos territoriais de enunciação".
Justificativa:
A centralidade da questão urbana no estabelecimento dos sistemas produtivos e reprodutivos, como centro de poder material e simbólico e como espaço de disputa política, encerra todo um conjunto de aspectos que remetam ao campo jurídico e ao estatuto dos direitos. Nessa dimensão da vida social estão em questão os criadores e operadores do direito, os padrões de regulação e as instituições que manejam os padrões "legais" e os instrumentos de sanção, coerção e violência. A chamada questão urbana encerra aspectos amplos da reprodução da vida social, que dizem respeito ao problema da luta pelo controle exercido pelo bloco dominante sobre as formas de produção e reprodução social. As relações dominantes de poder limitam a apropriação dos meios e a construção dos modos de existência coletiva que se manifestam no cotidiano das grandes cidades. A plataforma da reforma urbana e a uma emergente de plataforma do direito a cidade (que se expressou nos movimentos sociais e nas Conferências de políticas públicas no Brasil) podem e devem convergir nas esferas públicas, que nascem da ação coletiva dos sujeitos sociais e políticos desde o filão do poder constituinte.
O tema dos direitos humanos na cidade incide sobre o campo jurídico-normativo, sobre o ordenamento das políticas públicas, sobre o aparato burocrático e a gestão urbana, e sobre os conflitos sociais que se manifestam nas lutas e antagonismos ligados aos modos de existência coletiva. Nesse jogo de dinâmicas sociais e institucionais, inscritas no campo jurídico, se trava a luta dos sujeitos coletivos por mais espaço e meios de apropriação para uma reprodução ampliada do bem-estar individual e coletivo, o que implica no embate sobre os rumos da direção intelectual e moral na sociedade e no Estado. As nossas análises, um dos principais produtos do LDTCT, são guiadas pelo entendimento do direito humano à cidade como instrumento de emancipação que define os fundamentos normativos e, de regulação jurídico-político da democracia desde o território. Isto é, desde o conjunto dos lugares, tendo por fonte o poder constituinte ou instituinte dos sujeitos coletivos, enquanto uma das chaves para a reconstrução de projetos políticos de democracia ampliada.
Situamos os sujeitos dos direitos a partir das relações e conflitos que recobrem o amplo espectro das vozes e lutas das populações atingidas por violações e movimentos emancipatórios, na relação entre os processos de invenção, garantia e promoção de direitos. Os processos históricos de materialização em bens e políticas públicas, em formas de acesso ao bem estar social e a justiça social e ambiental se relacionam com uma leitura contemporânea dos direitos humanos, que leva em conta a reflexão sobre: a ação coletiva (sociologia do presente), a subjetividade coletiva ( genealogia, cibernética e teorias da linguagem), da produção e usos do território (disciplinas espaciais como arquitetura, urbanismo, design, geografia e planejamento urbano e regional), estudos sobre a amplitude da noção de corpo (antropologia, psicanálise, saúde coletiva, criminologia crítica). No seu conjunto estes campos do conhecimento permitem uma abordagem que leva em conta sua interseccionalidade. Nos orientamos via de estudos interdisciplinares e com recortes transdisciplinares na abordagem dos desafios para lidar com a necessidade de constituição de esferas públicas (estatais e não-estatais) como referências para pensar a vida cotidiana.
A articulação entre subjetividade, corpo e território nos leva a destacar a noção de sujeito corporificado, que deve ser observado desde suas práticas, performances e discursos, na sua visibilidade e presença nos distintos processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização. As práticas do o agir humano no espaço, o agenciamento e mobilização na dimensão cultural e as instituições se relaciona através dos eventos, nos acontecimentos, nos conflitos aos quais os atores sociais respondem com suas táticas, seus modos de vida. A vida cotidiana exige um olhar crítico que destaque os sistemas de ação e os sistemas de objetos nas relações com os modos de vida. Buscamos construir os esquemas de leitura, os diagramas, os mapas das práticas que permitem entender as distintas conjunturas, no seu recorte urbano, desde a centralidade do olhar e das vozes dos grupos sociais subalternos.
Para identificar as potencialidades de mudança, os movimentos orgânicos e os movimentos moleculares, temos de ser capazes de operar com a categoria da hegemonia, registrando os processos, os movimentos e as "guerras". Destacando as relações de força e a vontade política que mudam as relações espaciais e temporais desde os lugares, através dos aparelhos e dispositivos, que definem as relações de força projetadas em meio ao quadro situacional. Esta abordagem é essencial para compreendermos o atual período histórico marcado pelos condicionamentos do meio-técnico informacional mundializado. Procuramos fazer uma aproximação entre as referências dadas por Ana Clara Torres Ribeiro e Milton Santos, quando tratavam da centralidade do social e dos usos do território, ao lado da aproximação com distintas disciplinas que informam a abordagem crítica dos direitos humanos, conforme a bibliografia que informa a seleção para o mestrado do PPDH do NEPP-DH.
O método:
No Laboratório de Análise da Conjuntura das Políticas Públicas do Direito Humano à Cidade poderemos ampliar o diálogo e montar dispositivos de leitura, sistematizar análises e consolidar o conceito de cartografia da ação na relação com os contextos urbanos em transformação. Destacando as práticas e experiências cotidianas dos sujeitos corporificados, dos homens e mulheres que habitam os espaços ditos periféricos. Os esquemas do lugar, o mapeamento cognitivo e a cartografia social devem se realizar através de exercícios encontros periódicos de montagem de quadros analíticos de processos específicos dos movimentos de oscilação. Na análise das situações, das diferentes conjunturas marcadas pelas contradições face aos movimentos de subordinação, de adaptação, de encarceramento massivo, de aniquilamento (de necropolítica), de garantia da ordem via ocupação militar, com a presença de milícias e grupos de extermínio que, são promovidos pelas forças hegemônicas e blocos no poder no atual giro político para a extrema direita. Assim como, face aos seus opostos expressos pelas práticas dos grupos sociais subalternos através de ações de adaptação, de resistência e de autonomia.
A metodologia das cartografias da ação deve utilizar as categorias de hegemonia e de sistema mundo capitalista. Categorias que fazem parte do corpo em constituição de uma teoria crítica da economia política da globalização no âmbito dos estudos das relações internacionais.
A disputa entre as constelações de práticas organizadas de rearticulação entre dinâmicas espaciais e temporais, no sistema mundo em transição, aponta para o retorno do território no contexto geral de uma mundialização de escala planetária marcada pela passagem da maior parte da humanidade para os modos de vida urbanos. Torna-se urgente compreender o processo de mudança mundial, com a reestruturação e as formas da sociedade de controle, com o caos e a criatividade que afetam as formas sociais como uma grande crise dos modos de racionalização orientados pela modernidade técnica e científica no capitalismo tardio.
Torna-se necessário entender o espaço de reconstrução de estratégias de contra-hegemonia, de construção de potencial emancipatório, de luta em defesa do acesso aos meios e bens públicos e ao patrimônio comum. O que depende das práticas coletivas de construção de direitos, de um poder constituinte que resulte na ampliação das políticas sociais e das esferas públicas. Por isso, precisamos pensar as práticas cotidianas a partir do desenvolvimento desigual dessas espacialidades que nos atravessam na via das revoluções passivas, das guerras e das "destruições criativas" promovidas pelo capital. Precisamos ampliar a capacidade de ler as correlações de forças, os processos de concentração e desconcentração e transformação dos modos de reprodução social, que combinam vetores, ritmos que se chocam com resiliências, rugosidades e resistências.
Através do estudo das conjunturas e do desenvolvimento da análise de situações podemos observar e compreender como se deslocam, redistribuem e produzem os conflitos sociais, com seus efeitos sobre as posições e recursos de luta pelo poder de decisão. Nos momentos em que o caráter orgânico da crise se tornar onipresente os instrumentos e a metodologia de análise precisam acompanhar e apoiar as novas vozes que buscam o horizonte de outra economia, de formas autogestionárias e de democratização. Essas forças encontram nas cidades seu campo de disputa material e simbólica, a sua força na sua maior diversidade e hibridismo, bem como, a sua maior complexidade por força da relação entre subjetividade e temporalidade, nas conjunturas produzidas no espaço das muitas camadas sócio-históricas, tecnológicas, ecológicas e culturais dos processos de territorialização e desterritorialização.
A explosão das metrópoles e as cartografias da ação:
As operações urbanísticas promovidas pelo grande capital nas megacidades condensam um conjunto de tendências estéticas e tecnológicas, que expressam a modernidade capitalista marcada pelo ritmo, pelo estilo e pela forma do espetáculo.
Os processos de difusão e mundialização do urbano vêm confirmando as teses de Henri Lefebvre, principalmente nos seus escritos marcados pela análise da contradição entre a noção de produção social do espaço para o capital e a explosão das demandas por acesso ao "Centro", realizada sob a ótica do direito à cidade, ou melhor, ao poder de decidir e produzir sobre a produção, os usos e as funções do espaço. A desmedida da explosão das metrópoles é confirmada pela nova geografia de Milton Santos e pela teoria da ação de Ana Clara Torres Ribeiro e nas espacialidades (geografias) pós-modernas de Edward Soja. O debate sobre a crise e transição no sistema mundo, sobre a nova soberania imperial global avançam a partir de uma leitura com base na articulação (trans.) disciplinar, entre a crítica da economia política e as análises com base na teorização sobre a sociedade de controle em rede, numa reflexão que é sobredeterminada pelas disciplinas espaciais.
A elaboração de um novo urbanismo orientado pela noção de direito à cidade se torna uma componente chave dos processos de emancipação das classes populares, com uma releitura do desenvolvimento desigual das relações entre subjetividade social e poder na era das redes transnacionais. O espaço crítico dos direitos deve ser visto como expressão de demandas emancipatórias diante das megaescalas espaciais atravessadas pela aceleração temporal que comprime o cotidiano dos povos. As lutas sociais permitem perceber potencialidades emergentes para afirmar o direito à cidade a partir da criatividade e da resistência autônoma dos sujeitos corporificados e territorializados.
No espaço ordenado pelo novo meio-técnico informacional a força dos sujeitos coletivos depende da percepção, da reflexividade crítica, da tomada de consciência coletiva que parte de instrumentos de leitura, pela cartografia da ação e pela análise de relações de forças. O que corresponde no âmbito da pesquisa a um tipo de metodologia voltada para o reforço da capacidade de leitura dos lugares, dos contextos de ação. Posto que através das análises de conjuntura podemos relacionar as dimensões empíricas dos processos desde de uma armação conceitual, dentro de um quadro que permite observar as tendências, os movimentos e as situações que se projetam com a construção de novos possíveis. As cartografias são instrumentos que indicam as margens de autonomia, sob a ótica da abordagem que reforça a práxis dos atores sociais nas espacialidades das redes e dos territórios. A análise de situação se articula em camada s de múltiplas escalas. Os mapas cognitivos são construídos apoiados em cartografias e narrativas das práticas de contraposição, pela produção territorial das resistências por parte dos grupos subalternos.
Os saberes espaciais se tornam decisivos para pensarmos a construção de direitos a partir do retorno e reconstrução de identidades corporificadas territorialmente.Nas cartografias temos elementos de identificação dos movimentos, jogos e alianças para a definição da condição de funcionamento dos chamados observatórios, desde onde se registra e classifica os contornos das relações de força e das conjunturas políticas no século XXI. No século do urbano global e da nova conjuntura de ação coletiva celular/molecular a leitura dos mapas da sociologia das emergências remete ao estudo dos bloqueios dos espaços para os movimentos emancipatórios, destacando os corpos e as vozes obscurecidas ou anuladas pela razão instrumental advinda do poder de racionalização imposto pelo comandado dado pelo novo espírito do capitalismo.
Esse enfoque das cartografias da ação, e o seu aprimoramento metodológico, parte do resgate das experiências do LASTRO desenvolvidas sob a direção da Professora Ana Clara Torres Ribeiro no IPPUR-UFRJ. Os elementos metodológicos se apoiam nos trabalhos que desenvolvermos de análise das Megacidades nos países BRICS, assim como, sobre a agenda hegemônica que marca a nova conjuntura urbana brasileira, em especial a que vive a cidade do Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa deve ser considerada como uma fronteira "ideal" da acumulação global. A agenda hegemônica no modo de governar o Rio de Janeiro deve ser vista enquanto uma consequência lógica do percurso desenvolvido pelas políticas neoliberais aplicadas na cidade desde meados dos anos noventa do século XX. A agenda dos grandes eventos acabou se impondo como parte de um conjunto de diretrizes de governo pela via do empreendedorismo capitalista para as Megacidades Cidades, o que reforça os desafios para a reconstrução da leitura e da narrativa dos direitos humanos na chave do direito humano à cidade.
Produtos:
Sistematizar sobre a conjuntura ou a especificidade desse processo numa ou mais metrópoles permite articular uma teoria da mudança, do ajuste espacial global pela via dos seus efeitos de retorno e resistência a partir das potencialidades da periferia. Uma das metas do LDC é a de estabelecer o diálogo e o intercâmbio entre diferentes grupos de pesquisa interdisciplinar que trabalham sobre diferentes formas de cartografia da ação. Sintetizando os avanços na leitura dos métodos de construção da leitura do fenômeno urbano contemporâneo, pelo viés das teorias da ação coletiva, dos estudos que se dedicam às diferentes formas de observar e classificar a importância da nova centralidade da periferia. Para que através da cooperação institucional e da rede de conhecimentos se possam integrar as distintas ferramentas e categorias que sustentam a análise crítica da política neoliberal de ajuste espacial, _que atraí os interesses e as ações que organizam a apropriação do trabalho vivo e do espaço periférico, assim como as resistências e as táticas usadas pelas classes subalternas. Nossa hipótese é buscar na produção social do conhecimento sobre a periferia, a partir das análises que se destacam as práticas coletivas capazes de colocar em questão o discurso do capital globalizado, desde a sua prática espacial da "destruição criativa". Colocando em questão as políticas de projetos promovidos pelo capital na produção e anexação de novas fronteiras e espaços funcionais para projetar e alongar o ciclo da acumulação de capital. Tudo isso, como condição para abrir novas perspectivas para o projeto de direito à cidade, com base nos sujeitos coletivos que emergem das potencialidades e conflitos que se constituem, paradoxalmente, na mobilidade, na desigualdade e no conflito advindos da crise e reestruturação do padrão de crescimento, nas contradições abertas pelos deslocamentos de poder apoiados na ideologia do progresso pela via única da modernidade capitalista global.
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